Governo PS-CDS caíu por causa do SNS

Neste artigo, assinalando os 25 anos do Serviço Nacional de Saúde, António Arnaut relata a história da criação do SNS e toda a polémica que a envolveu e que culminou com a queda do II Governo Constitucional, em que tinha o cargo de Ministro dos Assuntos Sociais.

Jornal Público, 15 de Setembro de 2004, assinado por Catarina Pereira

Depois de António Arnaut ser nomeado, em Janeiro de 1978, ministro dos Assuntos Sociais – uma pasta que engloba a Saúde e a Segurança Social – , o Governo PS-CDS compromete-se a apresentar uma proposta de lei do SNS no prazo de seis meses. É então criada uma comissão para trabalhar no projecto […] Isso foi trabalhar noite e dia, era um entusiasmo extraordinário”, diz.

O projecto fica terminado “em pouco mais de três meses […] altura em que começaram os ataques à política do Governo. Os interesses instalados moveram as suas influências para atacar o SNS porque não lhes convinha. “

[…] Em finais de Julho de 1978, três ministros do CDS pedem a demissão e o governo cai. […]

Já depois de o projecto de lei ter sido aprovado em Conselho de Ministros, com os votos favoráveis dos ministros do CDS, o presidente do partido, Freitas do Amaral, pede-lhe um encontro […] “deu-me conta das dificuldades que estava a ter dentro do partido por causa do SNS”[…]

António Arnaut sublinha que Freitas do Amaral lhe explicou que estava pessoalmente de acordo com a criação do SNS, tendo considerado que a lei em questão realizava “os valores cristãos do humanismo”.

“Apesar de ele próprio concordar com a lei, entendia que as questões eram tantas que podia haver uma crise e pedia-me para o ter em conta. Mas as pressões não eram só do CDS, eram pressões que se faziam a todos os níveis. Os chamados “barões da medicina”, a direita e os interesses que estavam instalados na medicina faziam pressões em todo o lado”, acrescenta.

Arnaut explica que Freitas do Amaral lhe pediu para “deixar cair” o projecto. “E eu não deixei cair, continuei, e quando estava realmente na iminência de ser aprovada e publicada, o CDS abriu a crise e o governo caíu.”

[…] A mesma lei é então apresentada na Assembleia da República, sendo assinada pelo próprio Arnaut, então deputado, pelo secretário-geral do PS, Mário Soares, pelo presidente do partido, António Macedo, e pelo presidente do grupo parlamentar do PS, Salgado Zenha.

Na votação final global, a 28 de Junho de 1979, o projecto-lei sobre as Bases Gerais do SNS é aprovado com votos a favor do PS, do PCP, da UDP e do deputado independente Brás Pinto. […] é publicada em Diário da República a 15 de Setembro de 1979.

Eu não inventei o Serviço Nacional de Saúde, tentei pô-lo em prática”. O artigo 64º da Constituição da República, que prevê a criação do Serviço Nacional de Saúde, reuniu o consenso de toda a Assembleia Constituinte. […]

“Todos os deputados estavam sensibilizados para essa realidade pungente, que nos envergonhava perante a comunidade internacional”. Antes da criação do SNS, mais de metade de população portuguesa não estava coberta por qualquer tipo de protecção de saúde. […]