O SNS tem futuro

A 17 de Março de 2012 o Partido Socialista organizou uma iniciativa denominada “Roteiro para a Saúde”, que teve lugar no Hospital Pediátrico de Coimbra. António Arnaut foi convidado para abrir a sessão de encerramento deste Roteiro e no seu discurso lançou duras críticas aos opositores do SNS.

A intervenção, continua actual, em muito do seu conteúdo…

Excertos:

(…) Como poderia eu ficar calado numa altura em que o futuro do SNS está ameaçado? (…)

(…) Há 34 anos, pois, que iniciei uma luta sem tréguas pela defesa, consolidação e aperfeiçoamento do SNS, às vezes contrariando alguns camaradas vacilantes nas suas convicções, e contra uma certa direita ligada aos grandes interesses económicos que, fingindo defender o SNS, pretende um modelo convencionado e a liberdadde e escolha entre o sector público e privado, com o objectivo de obrigar o Estado a financiar os grupos económicos que tratam a saúde como um negócio. Por mim, continuarei por convicção, coerência e por imperativo ético de consciência, a defender o SNS enquanto puder articular um pensamento crítico-construtivo que foi sempre a minha forma previlegiada de cidadania. (…)

(…)  A pretexto da crise que dilacera Portugal e os países a que ainda há poucos anos se chamava o “Ocidente”, os serventuários do ultrtacapitalismo e dessa entidade para-teológica designada por “mercados”, querem aproveitar a oportunidade para a privatização dos cuidados de saúde, fazendo crer que o Estado carece de meios financeiros, empurrando os que podem pagar para o sector privado e deixando um SNS residual para os pobres, numa imitação salazarenta do assistencialismo caritativo. (…)

(…) O sector privado tem um importante papel complementar na prestação de cuidados de saúde, mas não deve parasitar ou viver à custa do sector público, através de convenções espúrias e de outras manigâncias conhecidas, como as famigeradas Parcerias Público-Privados, um escandaloso sorvedouro de dinheiro, através do qual o Estado paga a conhecidos grupos económico-financeiros o “mensalão” que alimenta a sua gula devoradora, hipotecando o país para os próximos 30 anos. Infelizmente, o PS não está isento deste desvio às boas regras de gestão dos dinheiros públicos e desta forma engenhosa de tentativa de privatização. (…)

(…) Acrescento, para alertar os que ignoram as origens do sufoco financeiro que nos atormenta, que ao referido “empréstimo” negociado com a Troika, temos de somar 35.000 milhões de juros e comissões, ou seja, o suficiente para financiar folgadamente o SNS durante 4 anos… (…)

O problema da sustentabilidade do SNS não é a falta de fontes de financiamento, é a falta de vontade política e a cumplicidade com o sector privado

(…) Chego assim ao cerne da questão que me propus trazer à vossa reflexão: a sustentabilidade do SNS, como Serviço Público de que nos orgulhamos e cujos excelentes resultados, apesar de algumas insuficiências, nem a direita ultramontana contesta. Essa sustentabilidade não está tanto em risco por causa da escassez de recursos, mas sobretudo da cupidez e da consequente aversão dos grupos económicos que querem substituir-se ao Estado e fazer dos cuidados de saúde uma mera actividade mercantil. Sejamos claros: não há em Portugal clientela que alimente lucrativamente a capacidade instalada, ou em vias de instalação, do sector privado enquanto o SNS responder com eficiência a 75% da população e aceitar cuidar dos restantes, portadores de seguros privados, sem cobertura de certas patologias ou quando se lhes esgota a garantia das apólices.

Acrescento a urgente necessidade de restabelecer e dignificar as carreiras profissionais (uma conquista dos médicos em 1961)

O SNS é uma porta aberta e solidária para todos os portugueses, de qualidade indiscutível. Por isso é que os mercadores da saúde o querem destruir ou reduzir à sua expressão mais simples, adequada ao Estado mínimo ou Estado exíguo, como lhe chama Adriano Moreira, objectivo conhecido dos neoliberais. É este o verdadeiro problema do SNS desde os idos de 1978, apesar de então os seus adversários, a quem chamei “barões da medicina”, serem meros pigmeus comparados aos tubarões de hoje, sem alma nem rosto, nem fronteiras físicas ou morais. É preciso libertar o Estado da tutela do capital financeiro especulativo que, depois de ter causado a crise mundial, está agora a saquear o erário público à custa do sofrimento do povo.(…)

(…) O SNS é um imperativo ético e constitucional, factor de justiça e de coesão social. Está intimamente ligado à qualidade de vida, à dignidade, ao progresso e à segurança moral dos portugueses. (…)

(…) O problema da sustentabilidade do SNS não é a falta de fontes de financiamento, é a falta de vontade política e a cumplicidade com o sector privado. (…)

(…) A sustentabilidade do SNS depende, sobretudo, como disse, da vontade política em mantê-lo e consolidá-lo, através das reformas necessárias e de orçamento adequado. (…)

(…) Acrescento a urgente necessidade de restabelecer e dignificar as carreiras profissionais (uma conquista dos médicos em 1961) para manter a estabilidade, permitir melhor cobertura de todo o país, garantir a formação permanente e o acesso, por mérito, aos lugares de topo, evitando assim a fuga para o sector privado. Devem, aliás, ser dados incentivos à dedicação exclusiva. (…)

(…) E porque temos do nosso lado a razão, a Constituição e a vontade do povo, o SNS tem futuro. (…)

(in “O Étimo Perdido”, págs 35-43